Esta
semana aconteceu o lançamento do disco "Axeitín" gravado pelo grupo de gaita asturiana
“El Trasno”, em que toca minha cunhada.
Conversa
vai, conversa vem, perguntei o significado do nome do grupo, e ela me explicou
que Trasno é um duende travesso, que prega peças nas casas, assustando
moradores e animais. E que ele tem as mãos furadas.
Lançamento do disco Axeitín, que em asturianu do ocidente significa fazer as coisas devagar, sem pressa, sem ruído. |
Mãos
furadas ?!!! O Saci-Pererê que eu me lembro das histórias contadas pelas professoras e pela minha mãe, também tem as mãos furadas!!
Seriam
os dois formas parecidas de representar a mesma entidade? Vamos iniciar o
pensamento:
Folclore
(do inglês: folk – povo; lore – sabedoria
ou conhecimento) é o conjunto de criações culturais baseadas na tradição de
uma comunidade, expressas por grupos ou indivíduos, transmitidas de gerações em
gerações.
Pesquisando
um pouco a história do Trasno, descobri um montão de nomes em diversas culturas
européias:
Conhecido mais como
Trasgo, (do latim transgredī'- “o que transgride, o que
rompe com a lei) pode-se denominar Trasgo, Trasno ou Tardo na Galícia; Trasgu, Cornín o Xuan dos
Camios, Pisadiel el de la
Mano Furada , Gorretín Coloráu, El de la Gorra Encarnada ou Sumiciu nas Astúrias, León, Cantábria e leste da Galícia; Trasgo o Martinico em Castilla y León; Follet, na Catalunha, Strago ou
Demônio da Mão Furada no norte de Portugal.
Ainda entre outros povos
da Europa, como Alemanha, França, Itália e Inglaterra, a
mesma criatura é conhecida como Kobold, Gremlin, Servany, Silfo, Goblin, Gnomo,
Lutin, Fantastique, Nix, Robin e Puck.
E
olha a descrição dele (deles, né!):
Geralmente
é representado como um duende familiar e habita as casas. Baixinho e moreno,
veste blusa e gorro vermelho pontudo, normalmente é manco de uma perna e sempre
com um buraco na mão esquerda. Às vezes é representado com rabo e outras vezes
com chifres. Tem o caráter inquieto, travesso e brincalhão.
Até
o século XVIII, teólogos com grande reputação acreditavam que os Trasgos eram
demônios menores e domésticos. Numerosas atas de processos da Inquisição mostram
como a crença nesses duendes era profundamente arraigada em todas as classes
sociais.
Tá,
essa é a vida do Trasgo na Europa. Mas e o Saci-Pererê no Brasil?
Os
primeiros registros do Saci teriam surgido, segundo o folclorista Câmara
Cascudo, no fim do séc. XVIII, no Sul do país, de uma lenda indígena. Ele era
um índiozinho travesso, tinha as duas pernas e um rabo típico.
À
medida que a história ia percorrendo o país, foi ganhando adaptações e sofrendo
influências da cultura africana e européia, como podemos esperar de um país
miscigenado. Da africana, o Saci passa a ser negro, perde a perna lutando
capoeira e fuma um cachimbo. E da cultura européia, teria ganhado o gorrinho
vermelho e a personalidade zombeteira. Algumas vezes é retratado com buracos na
palma das mãos.
Assim
como o Trasgo, o Saci tem a personalidade brincalhona que causa dificuldades
domésticas e adora assustar pessoas e animais.
Depois
das minhas pesquisas e fuçadas, acho realmente que o nosso Saci é uma espécie
de “irmão mais novo” do Trasgo. A semelhança entre os dois é enorme, apesar das
características regionais que foram acrescentadas no Saci.
Ilustração do primeiro livro de Monteiro Lobato, Saci Pererê - Resultado de um Inquérito, onde pela primeira vez é retratada, em um livro, a crença no Saci. |
O Saci pelo desenhista de histórias em quadrinhos André LeBlanc. |
Pela
definição de folclore, de transmitir tradições de geração em geração, é de se esperar
que a identidade brasileira modificasse e acrescentasse características do Trasgo
ao Saci. E como já diz o ditado: “quem conta um conto, aumenta um ponto.”
Então, sem nenhuma pretensão acadêmica, concluo, na base do achismo, que o Saci
é descendente direto do Trasgo!
Ah,
quem quiser escutar um pouco o grupo de gaitas “El Trasno”, dá uma olhada nesse
vídeo.
Nenhum comentário